Em regra, é possível a restituição ao erário dos valores pagos indevidamente aos servidores públicos federais, por força do art. 46 da Lei n.º 8.112/1990 ou pela vedação do enriquecimento ilícito e pelo poder-dever de autotutela.
No entanto, existe um forte entendimento jurisprudencial, tanto do STJ quanto do STF, no sentido de que o disposto no art. 46 não é regra absoluta, isso porque a Lei é mitigada pelo princípio da boa-fé. Essa “boa-fé”, na verdade:
“Não deve ser aferida no real estado anímico do sujeito, mas sim naquilo que ele exterioriza. Em bom vernáculo, para concluir se o agente estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito. Busca-se, segundo a doutrina, a chamada boa-fé objetiva (…) Trata-se da legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio”. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.263.480 – CE. 2ª Turma. Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 01/09/2011)
Desse modo, faz-se necessário verificar se, no caso in concreto, houve ou não, ainda que de forma presumida, a boa-fé objetiva, entendendo-se esta como uma legítima confiança ou justificada expectativa de direito. De se ressaltar que “a boa-fé se presume; a má-fé se prova”. Logo, se não houver prova no sentido de que existe a má-fé, a existência da boa-fé é presumida, que, aliás, é um dos princípios gerais do direito.
Portanto, ressalvada a comprovação da má-fé (quando, por exemplo, o servidor público que não restitui o crédito indevido que foi recebido por decisão judicial precária, posteriormente revogada), hipótese na qual se aplica a restituição do crédito ao erário nos termos do art. 46 da Lei n.º 8.112/90 (sem prejuízo da legislação específica no âmbito de cada ente federativo), prevalece o entendimento jurisprudencial no sentido que, em razão de erro cometido pela Administração Pública, os valores recebidos indevidamente não devem ser restituídos ao erário, ante o princípio da boa-fé objetiva – legítima confiança ou justificada expectativa
Assim, caso a Administração insista em realizar reposições nessas condições, estará afrontando claramente o direito dos servidores, o princípio basilar da segurança das relações jurídicas, inscrito na Constituição da República, e a confiança depositada nos atos administrativos, que possuem, via de regra, presunção de legitimidade, legalidade e veracidade.
Em quadros como estes, o servidor afetado poderá, tão logo seja notificado para que proceda ao pagamento ou sobre algum eventual desconto, manifestar-se sobre a desnecessidade da reposição, para que a própria Administração o reconheça, ou ainda propor ação judicial cabível ao caso, evitando os descontos e cobranças ou ainda para reaver possíveis valores que lhe foram descontados sem respaldo legal.